Introdução.
Em um ambiente cada vez mais digitalizado e complexo, a contabilidade pública enfrenta desafios singulares que vão além dos tradicionais princípios e normas contábeis. Neste contexto, atender aos requisitos tecnológicos do Siafic previstos no Decreto nº 10.540/ 2020 e sua atualização pelo Decreto nº 11.644/2023, é de fundamental importância para a credibilidade das informações contábeis e consequentemente das prestações de contas.
Este artigo tem como objetivo contribuir para a escolha da proposta mais vantajosa para a administração pública, quando do desenvolvimento ou contratação do Siafic, levando em consideração os requisitos tecnológicos delineados pelo decreto. Estes constituem a espinha dorsal para a realização de práticas contábeis confiáveis e seguras no setor público.
O Decreto estabelece o padrão mínimo de qualidade do Sistema Único e Integrado de Execução Orçamentária, Administração Financeira e Controle, também conhecido como Siafic. O documento visa não apenas a padronização, mas também a melhoria contínua dos processos contábeis em esferas governamentais, garantindo transparência, eficácia e eficiência na administração pública.
Contextualização Normativa.
O Decreto nº 10.540/2020 não é um instrumento isolado, mas parte de um arcabouço jurídico que tem suas raízes na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Este é o documento legal que estabelece os princípios, as regras e os critérios para a administração financeira e contábil dos entes federativos, incluindo União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Um dos pontos destacados na LRF é o Art. 48, parágrafo 2º, que prevê a necessidade de transparência e padronização das informações contábeis. O Decreto 10.540/2020, em seu Art. 9º, inciso I, ressalta a obrigatoriedade de alinhar-se a esse dispositivo da LRF, consolidando as expectativas quanto ao formato, à periodicidade e ao sistema a serem adotados nas práticas contábeis.
A não conformidade com os requisitos estabelecidos pelo Siafic pode ter sérias repercussões legais e regulatórias. O desalinhamento às normas compromete a integridade, a confiabilidade e a auditabilidade da informação, que são aspectos essenciais para a transparência na gestão pública. Tal situação pode resultar em ações corretivas, multas e até mesmo na responsabilização dos gestores envolvidos.
Além disso, a inconsistência nas informações pode prejudicar a execução do orçamento e a alocação eficiente de recursos, que são aspectos críticos para a gestão fiscal responsável.
A falta de mecanismos de controle de acesso adequados ou de identificação clara do sistema e do desenvolvedor, conforme prescrito nos incisos II e III do Art. 9º do decreto, também pode abrir brechas para fraudes e manipulações, comprometendo a governança das informações.
Armazenamento, Integração, Importação e Exportação de Dados.
Um dos pilares do Decreto nº 10.540/2020 é o armazenamento, a integração, a importação e a exportação de dados contábeis. Conforme disposto no Art. 9º, inciso I, esses dados devem ser gerenciados segundo o formato, a periodicidade e o sistema estabelecidos pelo órgão central de contabilidade da União.
Embora o decreto não especifique os formatos e sistemas, espera-se que estes se alinhem às melhores práticas internacionais de contabilidade pública e aos padrões de interoperabilidade definidos pelo ePING (Padrões de Interoperabilidade de Governo Eletrônico). A periodicidade pode variar de acordo com o tipo de informação, indo de atualizações diárias para dados críticos até atualizações mensais ou anuais para informações de menos urgência.
O atendimento a esses requisitos tem um impacto direto na eficiência e eficácia da gestão pública. Ao se adotar formatos padronizados, torna-se mais simples e rápido consolidar informações oriundas de diferentes órgãos e esferas governamentais, favorecendo uma visão integrada das finanças públicas. Isso facilita não apenas a elaboração e execução do orçamento, mas também o monitoramento e o controle das operações financeiras, permitindo ajustes tempestivos quando necessário.
A periodicidade definida pelo órgão central de contabilidade do Governo Federal, no caso a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), é também fundamental para garantir que os gestores tenham acesso a informações atualizadas, permitindo tomadas de decisão mais ágeis e precisas. Esse dinamismo é especialmente relevante em situações emergenciais, onde a disponibilidade de dados em tempo hábil pode ser decisiva para a efetividade das respostas governamentais.
Integridade, Confiabilidade, Auditabilidade e Disponibilidade da Informação.
No âmbito da contabilidade governamental, a integridade e a confiabilidade das informações são de suma importância para garantir uma gestão pública eficaz e transparente. O Decreto nº 10.540/2020, em seu Art. 9º, inciso II, reforça essa necessidade ao estabelecer que os sistemas devem possuir mecanismos que garantam a integridade e a confiabilidade das informações registradas e exportadas.
Esses mecanismos podem incluir tecnologias como criptografia de dados, controle rigoroso de acesso, e sistemas de monitoramento e alerta que identifiquem e previnam qualquer forma de alteração indevida ou acesso não autorizado às informações.
Essas medidas de segurança tecnológica também servem para assegurar que os dados sejam consistentes e estejam livres de erros, seja por falha humana ou malfuncionamento do sistema, melhorando a qualidade das informações disponíveis para os gestores e para as instituições de controle.
A auditabilidade é uma faceta essencial da contabilidade governamental e está intimamente ligada à integridade e à confiabilidade das informações. Um sistema que permita um rastreamento eficaz das operações financeiras, desde a sua origem até o seu registro final, facilita os processos de auditoria interna e externa. Isso contribui para a identificação de irregularidades e possibilita que se tomem medidas corretivas de forma mais ágil.
Em relação à disponibilidade da informação, esta se torna relevante no contexto de um ambiente que exige respostas rápidas e decisões baseadas em dados. A infraestrutura tecnológica deve ser robusta o suficiente para garantir que os dados estejam acessíveis sempre que necessário, sem interrupções ou atrasos significativos. Isso envolve tanto medidas de prevenção a falhas quanto estratégias para recuperação de dados em casos de incidentes, alinhadas às melhores práticas e padrões de continuidade de negócios.
Identificação do Sistema e do Desenvolvedor.
A identificação clara e precisa do sistema e do seu desenvolvedor é uma premissa essencial para assegurar a confiabilidade dos documentos contábeis em qualquer contexto de administração, e isso se torna ainda mais premente na contabilidade governamental.
Conforme estipulado pelo Art. 9º, inciso III do Decreto nº 10.540/2020, cada documento contábil gerado deve conter informações que identifiquem tanto o sistema quanto o seu desenvolvedor. Este requisito serve como um mecanismo de rastreabilidade e responsabilização, permitindo que qualquer operação possa ser auditada de forma eficaz. Dessa maneira, aumenta-se a confiança nos documentos gerados, pois há garantias de que eles provêm de uma fonte legítima e de um sistema devidamente autorizado e auditado.
Além disso, a identificação contribui para a resolução mais eficiente de problemas técnicos ou questões que possam surgir durante auditorias, visto que facilita a localização e comunicação com as partes responsáveis.
A ausência de uma identificação adequada e transparente do sistema e do desenvolvedor pode dar margem a uma série de problemas e riscos, entre os quais destacam-se:
- Riscos de Fraude: Sem identificação clara, torna-se mais fácil para agentes mal-intencionados adulterar ou criar documentos contábeis fraudulentos.
- Problemas de Auditabilidade: A falta de identificação dificulta o trabalho de auditoria, tanto interna quanto externa, pois os auditores podem enfrentar desafios para rastrear a origem e a veracidade dos registros.
- Responsabilização e Conformidade: Quando não é possível identificar o sistema ou o desenvolvedor, torna-se complicado determinar responsabilidades em casos de erros, inconsistências ou ações legais, prejudicando a governança e a conformidade regulatória.
- Integridade dos Dados: A ausência de identificação pode comprometer a integridade dos dados, uma vez que não há garantia de que os registros foram criados ou alterados por sistemas ou indivíduos autorizados.
Conclusão.
Este artigo buscou contribuir para a escolha da proposta mais vantajosa no âmbito da administração pública, seja no desenvolvimento ou na contratação do Siafic, ao se detalhar os aspectos do decreto no que se refere aos resuisitos tecnológicos do Siafic, como o armazenamento e integração de dados, a integridade e confiabilidade da informação, bem como a identificação adequada do sistema e do desenvolvedor, evidenciamos a relevância desses elementos na eficácia da execução orçamentária, da administração financeira e do controle.
Não se trata apenas de seguir requisitos para estar em conformidade com a legislação. A compreensão e aplicação desses critérios tecnológicos são, de fato, instrumentos que melhoram a qualidade da contabilidade governamental. Eles contribuem para uma maior transparência, responsabilidade e governança pública de alto nível. O não cumprimento dessas diretrizes não apenas eleva os riscos legais e regulatórios para as entidades envolvidas, mas também pode corroer a confiança do público em nossas instituições governamentais.
Portanto, para a implementação bem-sucedida dos requisitos tecnológicos do Siafic, é imprescindível uma abordagem que combine compreensão técnica com estratégia de governança, sempre com o objetivo de realçar a confiabilidade e a eficácia da contabilidade governamental.